É bom estar ocupado de nada,
observando as transformações ao redor e ouvindo barulhos alheios. Cada casa um
mundinho, a rua um mundão e você sentado numa escada com seu mundo parado.
Esperava o vento se dissipar, aos poucos ele foi se tocando em ver o fósforo na
mão em repouso, indo perturbar alguma dona de casa que odeia quando ele bagunça
a sujeira que ela peleja em eliminar, mas que invariavelmente acaba esquecendo
a porta aberta para ele poder deixá-la fula da vida. Assim pôde fumar o seu
cachimbo. Pitar é hábito novo em meio aos vícios que ele possui, tá certo que
não é vício barato, mas um pacotinho de fumo dura por um bom tempo e os
apetrechos para a limpeza duram por toda a vida e dá até para
deixá-los como herança. Foi através das sobras que chegou a um novo prazer, após algum tempo da partida do velho, decidiu pegar um sábado para
caminhar pelas calçadas, as chaves no bolso, a cabeça fixa em organizar antigos
pertences para a doação, na solidão foi abrindo as janelas, quente sol tocando
o cheiro de coisas dispersas, quando menino não podia chegar perto de certos
objetos, aos poucos na “crescitude” tudo se permite, as barreiras deixam de
existir, tabus são quebrados, riam juntos de temas que um dia foram proibidos
pela mãe. Numa caixa guardada sobre a estante encontrou as velhas pipas do
pai, bem guardadas, nada de mofo, os fumos de aromas suaves, jamais na boca
tinha posto aquilo, com a camisa limpou uma delas, apertou o fumo, puxou o
isqueiro, acendeu e começou a tossir como um tuberculoso. Alguma coisa estava
errada, fazia um incursão na vida do coroa, procurando cessar a tosse se
levantou, lembrou do bar no canto da sala, caminhou até lá, o cachimbo na mão,
achou uma garrafa de um velho conhaque francês, não pensou duas vezes, no
gargalo mandou ver, quente, ameno, acendeu novamente, era necessário certa
calma, foi devagar soltando a fumaça, diante daquela nuvem sentia-se criança a
guardar o homem limpando cada cachimbo, passando feltro por entre eles,
desmontava, montava, acendia, nas mãos uma taça, na radiola canções que
assoviava deixando a tarde fazer parte do dia, do sábado, era naquele instante
provavelmente que ele conseguia se livrar do peso da semana, era como uma projeção,
a vida uma bela película, não sabia se pela fumaça ou pelo cheiro
de coisas até então trancadas, percebeu os olhos num quase lacrimejar, colocou
o conhaque na boca deixando a nostalgia se harmonizar com o presente.
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