Chovia pela manhã, a pequena antes mesmo
de ir para o banheiro se preparar para a escola, já falou da infiltração na
casa debaixo, a mãe também falou, a sogra da mãe repetiu a mesma coisa, nenhuma
delas, nem eu, moramos lá embaixo, não caia uma bruta chuva, era uma coisa
apenas que fazia a gente pensar em ficar sob os cobertores, pensei em abrir uma
Serra Malte, acender o cachimbo diante daquele mantra logo cedo mas, tenho
certeza que as três repetiriam juntas JÁ!? Passei em silêncio, a pequena foi aprender
coisas novas, a mãe para o trabalho e a sogra dela para a ginástica, fiquei
sozinho, a chuva se foi, ainda bem, não tenho guarda-chuva, estranho que essa
palavra não foi alterada pela tal reforma, acontece que enquanto tomava uma
ducha a chuva voltou com mais ímpeto, enquanto a água escorria era possível imaginar as três
repetindo a mesma ladainha, saí para o escritório me esgueirando entre pontas
de telhado para não me molhar, jornal debaixo do braço enrolado num plástico,
corri feito um paulistano quando avistei a condução, não me molhei, sobrou o
jornal para uma leitura durante a viagem, os caras me mandam jornal numa
promoção que eu nunca pago, eles me ligam, enviam boleto, depois me esquecem,
por outro lado, deixam de mandar o jornal, que não é aquele jornal de quem tem
cérebro é o concorrente, acho que por isso eles me mandam, só quem não tem um
cérebro para assinar aquele jornal, não me sinto bem em não pagar por ele, tem
uns profissionais lá, é como ter gato NET, mas eu não fui atrás deles, também
não tenho gato NET, faz tempo que não vejo o Gato Félix, eles é que vieram me
procurar, nem sempre concordo com o que eles escrevem por lá, penso que o
jornal de quem tem cérebro anda melhor faz algum tempo, leio ele lá no escritório,
sou pago para ler notícias envelhecidas, sempre foi assim, agora tá pior, de
qualquer forma, é legal ler o jornal, tem uns cronistas bons e coisa e tal. Dentro
da lotação as pessoas fecham os vidros com qualquer gota, achei um banco
solitário, deixei uma fresta aberta para entrar algo para se respirar, rolaram
umas gotas de chuva, nada demais, não sou feito de açúcar, às vezes me acho até
amargo, a vida é bem doce e dizem que isso engorda, li um pouco do jornal,
apenas a parte de esportes, agora anda tudo verde e amarelo, parece que
desembarcaram uns brasileiros por aqui, uma febre dessas que a única vacina tem
sido um gol francês ou holandês, o rei abdicou lá na Espanha, a nossa monarquia
se traduz num certo Neymar, a gente é bem besta mesmo, acho que não temos lá um
puta cérebro saca? Fechei o jornal, deixei para ler no trampo, com esse
corredor tem hora que se anda, na hora de descer a chuva voltou, tinha uma
loira na porta, as mulheres são bem legais mesmo, carregam sobrinhas nas
bolsas, ela puxou a sua, era vermelha com o nome Kalvin Klein, descemos juntos,
ela abriu o apetrecho, esperamos ao lado de uma pequena multidão o sinal dos
pedestres abrir, fique no ponto na espera, tinha uma poça, o carro passou
atirando água em todos, até mesmo na loira que quase caiu ao tentar se
esquivar, o homenzinho ficou verde, coloquei o jornal na cabeça, a moça ia na
minha frente, outro sinal fechado, paramos, fiquei um pouco atrás me protegendo
numa cobertura, tinha uma poça, outro carro molhou a moça, ela balançou a
cabeça de forma negativa, acho que ela devia ter sorrido apesar daquele pequeno
infortúnio, repetimos uma cantilena de que precisamos de chuva.
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