Estava o velho Panunzio no
balcão, café esfriando, chafurdado num livro, caneta na boca, hábito que o pai
também possuía até cair morto engasgado pela tampinha de uma esferográfica.
Quando me contou essa história não pude deixar de comentar com certo humor, que
se tratava de uma esferotrágica. Pousei
no Moacir no intervalo do trabalho, precisava de uma cerveja para clarear um
tantinho as ideias, pelo jeito meu amigo de taberna se encontrava no mesmo
paradigma (bonita essa palavra paradigma), a coisa de estudar Direito sempre
foi motivo para que tirasse um sarro de alguns conhecidos desse oficio afinal,
fazem uma petição ou uma defesa oral carregados de citações de diversos livros,
para depois chegar num raciocínio um tanto curto que leve o júri ou juiz a acatar
o que estão reivindicando, claro que isto requer a necessidade de estarem
sempre atentos para as inovações literárias do meio.
A carreira jurídica é um
intrincado jogo de xadrez repleto de variações, as peças ali dispostas,
movimentos precisos para evitar um mate que nesse caso se trata de prejuízo
financeiro/condenação do cliente, toda queda do rei no tabuleiro demonstra
habilidade, o vencedor sai como gênio e o perdedor fica em nuvens se achando um
tremendo estúpido. Sempre achei o cavalo uma peça fabulosa, figura capaz de
transformar uma derrota premente em empate no mínimo, a leitura extenuante de
meus camaradas deve ser a representação desse elemento do jogo, uma maneira de
perpassar com habilidade sobre as palavras que procuram defender. Quando a
defesa é de um crime fica ainda mais complicado, o velho “Nunzio” como gosta de
ser chamado é ambidestro no meio advocatício ou seja, cível e criminal.
- Não quer trocar esse pretinho
frio por uma loira gelada? Disse para ele de supetão.
- Tudo bem? Nem vi quando
chegou, estou tentando achar um jeito de defender uma senhora que assassinou o
marido.
- Traição?
- Que nada, o cara era um
santo, bebia socialmente nos finais de semana, participava da comunhão dominical,
só tinha um filho por questões econômicas e ecológicas, pagava as contas em dia,
olhando a capivara dele em branco você até chora.
- Não dá para sair dessa?
- A grana é boa, já me
adiantou um tanto só para evitar dano maior.
- Tipo trinta anos vendo o sol
nascer quadrado?
- Bem por aí, sorte dela que
ainda não tem pena de morte por aqui.
- Qual motivo?
- É até engraçado embora,
trágico, a porra de um tapawer que nem original era.
- Como assim?
- O cara ao lavar a louça,
jogou fora o treco plástico que estava cheio de gordura, ele não estava num
belo dia pelo fato de seu time ter levado uma surra no jogo das onze da manhã,
ela viu a cena, começaram a discutir colocando outros temas no furdunço, a
coisa descambou no domingo ensolarado numa faca ensaboada no meio do bucho do
cabra.
- Caso clássico de TPM e
corintiano frustrado.
- Como sabe do time?
- Fazia tempo que não metíamos
cinco nos gambás.
- Pois é, TPM e?
- Puxa, essa questão hormonal
é ferro na boneca.
- Nem me fale, quando Surica
tá nesses dias nem me aproximo.
- Conhece o caso da Amélia
frango a passarinho?
- Nunca ouvi falar.
- Deu no Gil Gomes.
- Esse cara já morreu faz
tempo.
- Olha só, quando era criança
a minha mãe colocava água para ser benzida ao lado do rádio, antes da entrada
do padre, tinha o programa dele, eram casos que ficavam ainda mais assustadores
pela entonação que ele tinha, era uma voz tão sinistra quanto a do cara que
anunciava a sessão de terror da meia noite de sexta. Certa vez, narrou o caso
de uma mulher que ao lado do marido tinham uma birosca no Jardim Pirajussara, o
marido por engano acabou jogando no lixo uma vasilha que continha duas galinhas
que ela tinha depenado, limpado e cortado de madruga, após uma longa discussão
ela o acertou no meio da testa com uma machadinha, a mesma que tinha utilizado
para cortar a cabeça das aves, sem piedade, com o homem caído deu mais duas
machadadas no pescoço, na época não tinha essa de tensão pré menstrual, quase
foi linchada pela vizinhança, óbvio que foi condenada, alegaram que tinha
problemas mentais então, foi cumprir pena eterna num presídio para loucos, deve
ter saído até no Notícias Populares isso.
- Caramba.
- Vai um gole?
- Fica para a próxima. Recolheu os seus pertences, pagou pelo café
sem que tenho tocado e se foi.
Alguns dias depois me mandou
um sms, convite para uns tragos lá pelas sete da noite, o dia estava ótimo para
uma gelada, bom beber na terça, apenas bebedores profissionais no recinto, quando cheguei ele já
estava por lá.
- Quanto tempo hein?
- Estava enrolado no caso que
te falei.
- Que que deu?
- Achei o jornal que me falou,
bolei uma explanação repleta de absurdos e não é que a dona se safou?
- Inocente?
- Nem tanto querido poeta,
pegou cinco anos apenas, a despesa hoje é por minha conta.
- Opa, que beleza, tá com
fome, que tal um franguinho? Soltou uma gargalhada e emendou:
- Pode ser uma porção de filé
acebolado?
- Claro, não podia deixar
tirar uma onda com a sua cara.
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