sexta-feira, 28 de março de 2014

la pipa

É bom estar ocupado de nada, observando as transformações ao redor e ouvindo barulhos alheios. Cada casa um mundinho, a rua um mundão e você sentado numa escada com seu mundo parado. Esperava o vento se dissipar, aos poucos ele foi se tocando em ver o fósforo na mão em repouso, indo perturbar alguma dona de casa que odeia quando ele bagunça a sujeira que ela peleja em eliminar, mas que invariavelmente acaba esquecendo a porta aberta para ele poder deixá-la fula da vida. Assim pôde fumar o seu cachimbo. Pitar é hábito novo em meio aos vícios que ele possui, tá certo que não é vício barato, mas um pacotinho de fumo dura por um bom tempo e os apetrechos para a limpeza  duram por toda a vida e dá até para deixá-los como herança. Foi através das sobras que chegou a um novo prazer, após algum tempo da partida do velho, decidiu pegar um sábado para caminhar pelas calçadas, as chaves no bolso, a cabeça fixa em organizar antigos pertences para a doação, na solidão foi abrindo as janelas, quente sol tocando o cheiro de coisas dispersas, quando menino não podia chegar perto de certos objetos, aos poucos na “crescitude” tudo se permite, as barreiras deixam de existir, tabus são quebrados, riam juntos de temas que um dia foram proibidos pela mãe. Numa caixa guardada sobre a estante encontrou as velhas pipas do pai, bem guardadas, nada de mofo, os fumos de aromas suaves, jamais na boca tinha posto aquilo, com a camisa limpou uma delas, apertou o fumo, puxou o isqueiro, acendeu e começou a tossir como um tuberculoso. Alguma coisa estava errada, fazia um incursão na vida do coroa, procurando cessar a tosse se levantou, lembrou do bar no canto da sala, caminhou até lá, o cachimbo na mão, achou uma garrafa de um velho conhaque francês, não pensou duas vezes, no gargalo mandou ver, quente, ameno, acendeu novamente, era necessário certa calma, foi devagar soltando a fumaça, diante daquela nuvem sentia-se criança a guardar o homem limpando cada cachimbo, passando feltro por entre eles, desmontava, montava, acendia, nas mãos uma taça, na radiola canções que assoviava deixando a tarde fazer parte do dia, do sábado, era naquele instante provavelmente que ele conseguia se livrar do peso da semana, era como uma projeção, a vida uma bela película, não sabia se pela fumaça ou pelo cheiro de coisas até então trancadas, percebeu os olhos num quase lacrimejar, colocou o conhaque na boca deixando a nostalgia se harmonizar com o presente.  

quarta-feira, 12 de março de 2014

Deus e o diabo



Era uma manhã dessas em que toca o telefone e no lugar das velhas chateações pinta um convite para um passeio, uma pernada pelas ruas, nada de reclamações de pais que velhos fazem o jogo comum da vida, envelhecer na coisa jocosa de que devemos cuidar deles, um dia ficaremos assim, é difícil fugir disso, tem esses dados jogados pelo destino de nos atirarmos com números sem sentido. Pelo caminho algo que devia no fundo ser feito, comprar um sofá cama, objeto que acolhe visitas, depois recolhe corpos cansados, acho bacana abrir um parenteses, quando era criança o lance era uma cama de armar que ficava pelos cantos, de repente quando os olhos precisavam de uma fechada por horas, era aberta pela casa dando conforto, era bem diferente, pois não recebia dois corpos, não era nem por culpa do Newton, nenhuma possuía tal sentido, talvez por ser grande demais, vai saber? ou apenas para receber a visita por uma noite de uma só pessoa, fecho parenteses, então, elas depois de  um bom lanche pelas ruas do velho centro, entraram no magazine da senhora Luíza, ficaram por ali, observando coisas que não precisavam, grandes tvs por exemplo, cada modelo, tão caro quanto a velha lambreta que tinham na garagem, os valores saltam  muito em nossos olhos, não eram mais crianças, não são, enfim, mas é tão bom fitar coisas que as crianças de hoje possuem e não dão a devida importância, tinha naquela sacada toda dos olhos um certo refletir do que foram, de que eram nascidas dos mesmos pais e se distinguiam do dia como este se distingue da noite. Quase saindo do lugar após a espera, algo estranho  numa loja nesta cidade louca que é São Paulo, pinta o sujeito com aquela pergunta comum de que em poderia ajudar, cara em tudo elas pensaram em responder, só que era penas um sofá cama, vai o sujeito numa boa mostrando modelos e, como nesses filmes de sessão da tarde elas se esparramaram pelas espumas de cada tipo que o vendedor mostrava, era sim um desses dias em que os astros estão  numa perfeita conjunção, as risadas eram soltas pela loja, o figura solícito como se deve ser, disse que um dia dormiu num passador lá em Monte Santo, elas se entre olharam, conheciam esta cidade mineira, o cara disse que na verdade ele se referia a cidade com o mesmo nome mas da Bahia. Pinta uma pausa feito este ponto. Tem destas coisas este país, era a cidade onde Glauber rodou o seu primeiro filme Deus e o Diabo na terra do sol. Despenca o fulano falando de seus dias naquela cidade, da fama que ela devia ter, e que por essas coisas de país sem memória nem o próprio Glauber Rocha acabou tendo, assim do nada como o fato de estarem ali numa boa, guardaram o cidadão moreno quanto um bom café com leite escuro, passeando por entre mobílias escutando parte de suas histórias, a  namorada que ainda morava por lá, de sua luta para tentar traze-la para esta terra cinza porém próspera, que coisa mais bacana passava pela cabeça delas, era necessário andar por outras lojas, pesquisar afinal, é isto que fazem as mulheres, os homens não, estes compram o primeiro trambolho que encontram para se verem livres do transtorno, sem dúvida era um problema aquilo, independente de quem pagaria pela coisa, isto já nem levavam em consideração, decidiram comprar um modelo sugerido por ele,que grande barato tinham feito, a comissão não parecia ser grande coisa, era uma grande ação por aquele mapa de encontro de signos tão opostos, tinha sol no céu, ainda sobraria tempo para que o giro da terra permitisse um retorno para casa sem rusgas, acontece que nessa mudança entre dia no Brasil e noite no Japão de o mundo ser tão pequeno, quando passaram o endereço no Jardim Maria Luíza, disse o vendedor que já morou por aquelas bandas numa rua tal, foi a maior gargalhada, dessas que ecoam para bem além da vida.

* O figura que ilustra o texto chama-se Jack London é dele a frase da distinção entre dia e noite para os irmãos.