quarta-feira, 8 de julho de 2020

Treco de guardar coisas, a TPM e o Gil Gomes



Estava o velho Panunzio no balcão, café esfriando, chafurdado num livro, caneta na boca, hábito que o pai também possuía até cair morto engasgado pela tampinha de uma esferográfica. Quando me contou essa história não pude deixar de comentar com certo humor, que se tratava de uma esferotrágica.  Pousei no Moacir no intervalo do trabalho, precisava de uma cerveja para clarear um tantinho as ideias, pelo jeito meu amigo de taberna se encontrava no mesmo paradigma (bonita essa palavra paradigma), a coisa de estudar Direito sempre foi motivo para que tirasse um sarro de alguns conhecidos desse oficio afinal, fazem uma petição ou uma defesa oral carregados de citações de diversos livros, para depois chegar num raciocínio um tanto curto que leve o júri ou juiz a acatar o que estão reivindicando, claro que isto requer a necessidade de estarem sempre atentos para as inovações literárias do meio.
A carreira jurídica é um intrincado jogo de xadrez repleto de variações, as peças ali dispostas, movimentos precisos para evitar um mate que nesse caso se trata de prejuízo financeiro/condenação do cliente, toda queda do rei no tabuleiro demonstra habilidade, o vencedor sai como gênio e o perdedor fica em nuvens se achando um tremendo estúpido. Sempre achei o cavalo uma peça fabulosa, figura capaz de transformar uma derrota premente em empate no mínimo, a leitura extenuante de meus camaradas deve ser a representação desse elemento do jogo, uma maneira de perpassar com habilidade sobre as palavras que procuram defender. Quando a defesa é de um crime fica ainda mais complicado, o velho “Nunzio” como gosta de ser chamado é ambidestro no meio advocatício ou seja, cível e criminal.
- Não quer trocar esse pretinho frio por uma loira gelada? Disse para ele de supetão.
- Tudo bem? Nem vi quando chegou, estou tentando achar um jeito de defender uma senhora que assassinou o marido.
- Traição?
- Que nada, o cara era um santo, bebia socialmente nos finais de semana, participava da comunhão dominical, só tinha um filho por questões econômicas e ecológicas, pagava as contas em dia, olhando a capivara dele em branco você até chora.
- Não dá para sair dessa?
- A grana é boa, já me adiantou um tanto só para evitar dano maior.
- Tipo trinta anos vendo o sol nascer quadrado?
- Bem por aí, sorte dela que ainda não tem pena de morte por aqui.
- Qual motivo?
- É até engraçado embora, trágico, a porra de um tapawer que nem original era.
- Como assim?
- O cara ao lavar a louça, jogou fora o treco plástico que estava cheio de gordura, ele não estava num belo dia pelo fato de seu time ter levado uma surra no jogo das onze da manhã, ela viu a cena, começaram a discutir colocando outros temas no furdunço, a coisa descambou no domingo ensolarado numa faca ensaboada no meio do bucho do cabra.
- Caso clássico de TPM e corintiano frustrado.
- Como sabe do time?
- Fazia tempo que não metíamos cinco nos gambás.
- Pois é, TPM e?
- Puxa, essa questão hormonal é ferro na boneca.
- Nem me fale, quando Surica tá nesses dias nem me aproximo.
- Conhece o caso da Amélia frango a passarinho?
- Nunca ouvi falar.
- Deu no Gil Gomes.
- Esse cara já morreu faz tempo.
- Olha só, quando era criança a minha mãe colocava água para ser benzida ao lado do rádio, antes da entrada do padre, tinha o programa dele, eram casos que ficavam ainda mais assustadores pela entonação que ele tinha, era uma voz tão sinistra quanto a do cara que anunciava a sessão de terror da meia noite de sexta. Certa vez, narrou o caso de uma mulher que ao lado do marido tinham uma birosca no Jardim Pirajussara, o marido por engano acabou jogando no lixo uma vasilha que continha duas galinhas que ela tinha depenado, limpado e cortado de madruga, após uma longa discussão ela o acertou no meio da testa com uma machadinha, a mesma que tinha utilizado para cortar a cabeça das aves, sem piedade, com o homem caído deu mais duas machadadas no pescoço, na época não tinha essa de tensão pré menstrual, quase foi linchada pela vizinhança, óbvio que foi condenada, alegaram que tinha problemas mentais então, foi cumprir pena eterna num presídio para loucos, deve ter saído até no Notícias Populares isso.
- Caramba.
- Vai um gole?
- Fica para a próxima.  Recolheu os seus pertences, pagou pelo café sem que tenho tocado e se foi.
Alguns dias depois me mandou um sms, convite para uns tragos lá pelas sete da noite, o dia estava ótimo para uma gelada, bom beber na terça, apenas bebedores profissionais no recinto, quando cheguei ele já estava por lá.
- Quanto tempo hein?
- Estava enrolado no caso que te falei.
- Que que deu?
- Achei o jornal que me falou, bolei uma explanação repleta de absurdos e não é que a dona se safou?
- Inocente?
- Nem tanto querido poeta, pegou cinco anos apenas, a despesa hoje é por minha conta.
- Opa, que beleza, tá com fome, que tal um franguinho? Soltou uma gargalhada e emendou:
- Pode ser uma porção de filé acebolado?
- Claro, não podia deixar tirar uma onda com a sua cara.


domingo, 7 de junho de 2020

Samba jambo


Tem esse lance que carrego comigo, de utilizar palavras que já não se usa mais, poeta com conhecimento parco em gramática, já tive um nome, depois virei número e é nessa condição que me encontro até hoje. Tenho a senha na fila do leite poesia, provável que o luminoso permaneça apagado para os dígitos que seguro, curto mesmo café puro. Danço na corda bamba sem sombrinha, curto uma folia, faço festa sozinho na fumaça do cachimbo, amado e odiado não tenho amigo meio termo.
Desci a ladeira, pés forrados por tênis surrado, fitando passarinhos,
 e pessoas apressadas, entrei num bom bar, sol pra cada um, deitei cabelo num embelezador, chegou a gelada, passou mina sem parapeito, as duas na mesa ao lado sussurraram, que horror sem sutiã, goela abaixo precioso líquido, pensei em esculhambar com as duas soltando a fita, que de vez em quando saio sem aparador de badalo nem me depilo mas, achei melhor girar meu rumo num poema para a pequena, quando virei ela já estava em versos entre beijos com a namorada. Anda tudo chato, lisinho, asseptizado, criança não brinca descalça no pavimento, sem germe, verme, bactéria na clausura da internet, no desconhecer da taba indígena.

domingo, 31 de maio de 2020

Que musica tu és?



Certa vez entre tragos e charutos, ficamos anestesiados com Tom Jobim interpretando Saci, éramos dois figuras soltos pelo quintal num fim de tarde, meu prezado Ronaldo Madureira soltou a frase fatal:
- As pessoas não precisam de amor, elas precisam de música. Cancerianos que somos passamos a viajar nisso em pleno domingo segunda feira (vivemos eternos domingos), imagine se cada pessoa é uma música? Na preguiça domingueira ouvimos várias canções, secamos diversas garrafas mas, não chegamos numa que seria a de cada um, o resultado prático foi uma feliz embriaguez.
Nesses dias noiados em que nos encontramos, as canções acalentam a ausência de abraços então, cada faixa que vai tocando na lista é uma pessoa que anseio rever um dia.   

domingo, 24 de maio de 2020

take godard



Olhares trocados entrelinhas, castanho verde, sardinhas no rosto, se foi tragando dia soltando noite, desceu cachaça suave, depois queimou a alma, nos guardamos por segundos, teve magia, a tal pegada podia ter existido, a tomada branca e preta, um beijo de quem nunca se viu além do vazio da hora, cada um para o seu lado, cena vida, película sem conclusão, no fundo sem fim início meio, jamais no mesmo plano iremos nos encontrar, 

domingo, 17 de maio de 2020

panguão,panguetes, panguaria



a vida ficou um tanto fora de fuso ultimamente, os horários ficaram meio perdidos, não sei se você tem essa mesma impressão, hoje, acordamos tarde, o café da manhã em retardo total, o almoço deve sair pelo horário quando a casa recebia gente para comidinhas e tragos, será uma forma de me lembrar de todos, domingo azul, digno de praia e Maracanã, saí pelo quintal com uma bela xícara de café no justo momento que o cara veio me trazer as cervejas, tinha me esquecido o horário do leiteiro, entrei no espaço que me cabe no latifúndio, coloquei as garrafas na pia para que recebessem uma bela ducha, separei uma para abrir os trabalhos hercúleos de mais um dia de dolce far niente, copo na mão, um som na vitrola aplicativa, um velho Alceu, puxa quanto tempo não escutava, ouvi o limite suportável dele que não passam de cinco canções, entrou algo na fila nada a ver com que estava na agulha, sem crise, liguei a tv no modo mudo, geralmente vejo futebol assim, as narrações são um pé no saco, o cara que era bom numa emissora quando vai para a turma da Globo segue o manual de ser imbecil, fala a óbvio, foda quando a imagem fica lá no meio da torcida com o jogo rolando, então, fui zapeando por alguns canais, são tantos e o que mais vejo nesses dias são coisas na Netflix, passo os olhos pelo noticiário uma vez por dia ou a cada dois, assim, no giro sem interesse me deparei com a imagem de alguns reunidos, que tocante a cena, brasileiros ostentando o lindo pendão da esperança, num zaz percebi confuso que ando realmente alienado, feito soldado no front sem saber que já rolou o armistício, só que não, são apoiadores do presidente vestidos de amarelo com bandeiras na mão, a pauta da reunião não trata de assuntos irrelevantes como a peste atual que nos isola porém, um contato com a peste que nos governa e a discussão profunda repleta de provas científicas de que Pitágoras era um tolo e a terra com toda certeza é plana,

domingo, 10 de maio de 2020

Pureza



A gente não sabe bem de onde vem, alguns espertos possuem explicações várias enfim, do nada assim caminhando debaixo do sol, me escapa uma lágrima não sei de que? quando vejo a criança feliz tomando um banho de mangueira.  

domingo, 3 de maio de 2020

Pelada


Teve um tempo em que batíamos uma bola para nos divertir, chegamos numa idade em que jogamos para divertir os outros, o problema está justamente em não se tocar nessa realidade nem tão cruel assim, mas, digamos óbvia. Outro dia encontrei o Madureira, ex carioca, hoje tem uma alma, espirito e o escambau de paulistano, que me convidou para pintar na quadra para um joguinho, algo sem compromisso, havia uma turma da antiga por lá, ok, topei. Numa terça, de saco cheio da ausência de versos, peguei os meus apetrechos, uma onça e me desloquei até o local. Sim, estavam alguns figuras do passado por lá, mal a bola rolou percebi que ainda desconheciam a gorduchinha, o pior nisso tudo, é que, quando guris botávamos os pernas de pau para fora do jogo, agora, fica difícil, eles ajudam no rateio para pagar a mensalidade do gramado sintético de péssima qualidade.


domingo, 26 de abril de 2020

O gato



O nada fazer não cansa, lavorare sim stanca, todo dia é domingo e a vida domingueira é pura meditação. Na preguiça dia desses observei o gato que chegou baldio, foi se instalando, hoje tem mais luxo que eu, a dona da pensão não me paga nem charuto de macumba, o felino dorme por horas, quando desperta, se alonga, bebe água em temperatura ambiente, degusta a sua ração sabor salmão, depois deposita seus dejetos numa areia aromatizada e retorna para o seu acolchoado. Não lava louça, não educa criança, nem se preocupa com contas vincendas, quando chega a época de satisfazer as suas questões fisiológicas sai por aí incomodando vizinhos noite adentro, nesse ponto se parece comigo, não pelo sexo que anda bem mirradinho mas, pelo som além dos muros, em casa tem sempre música de boa qualidade e conversas fora do padrão dessa cidade cinza. Já reparou na solidão de um paulistano? Seus hábitos de praia pastel de feira domingo, shoppings, filas no último dia de exposição, onde alguns nem sabem pronunciar o nome do artista porém, debaixo de um sol esturricante tem sempre um que se destaca, dizendo que se trata do cara daquele quadro famoso.
Tem mais gato que rato nessa cidade aliás, se pintar uma ratazana diante de algum deles, periga o bicho de sete vidas mijar fora da areia. Coisa que faz Dilermando perder o sono, é quando tem jogo do mengo, grito, bebo, reclamo do Rodinei, canto a jogada, me desformo. Dia desses se postrou ao meu lado diante da TV, no que chegou gol do Botafogo, olhou para a minha cara, já armei para dar uma bica no maledeto, ocorre que o VAR anulou o tento por impedimento, passei a mão em sua cabeça, eita bichaninho de sorte.

domingo, 19 de abril de 2020

Na subida do morro




As minhas mãos finas não possibilitam trabalhos severos, quando vou preparar um caldo de abóbora japonesa por exemplo, só de cortar a casca sempre brota um ferimento próximo aos dedos, dona da pensão diz que é melhor colocar no vapor para facilitar, se fosse um macho estressado já teria na cabeça que ela nas entrelinhas me chama de frouxo, tanto tempo junto chega uma hora que as coisas são ditas assim na desdita, estou nessa linha para te confessar que nessa parada resolvi botar a mão na massa, coisa de esforço puxa, preciso abrir um parênteses para contar uma coisa, um tanto Candinha até, teve um domingo que saí com bambina para uma flanada ao mercado, entre leros na passada, vimos um cara pintando o poste na frente de sua casa, o cara podia estar lendo um jornal, vendo o esporte espetacular, preparando o almoço, de repente um cheiro no amor que indicava o anel dourado num dedo desses que não me lembro o nome mas não, estava pintando o concreto onde no cume não se avistava nem mesmo uma lamparina, dois ou três passos depois tivemos que rir, devo admitir que por sua aparição na paisagem nos embrenhamos em outros assuntos, ela é a cara da mãe só que, tem umas tiradas irônicas cara do pai, fico pensando nesse cara agora com a pandemia, a tinta envelhecendo como é mesmo que a gente se refere quando deixa a tinta sem usar por um tempo? ando um tanto esquecido de algumas coisas aparentemente simples, deve ser o excesso de álcool gel, antes que me esqueça de novo, fecho parênteses, então, como dizia, esforço sem fadiga, tinha um tempo que precisava organizar os meus cds, são tantos, alguns identificados por letras outros por número, quando as festas não eram músicas em aplicativos vivia limpando os disquinhos, depois de um tempo cansei, na cachaçada comum em casa, o conteúdo na hora da escuta não era o que estava impresso na embalagem saca? enfim, fui pegando aos montes para colocar em umas caixas bem legais tipo estante debaixo da mesa onde ficam os livros de poesia(quanto detalhe), ainda tenho fazer o almoço preciso ir logo com isso quer dizer, com esse relato, tinha uma sessão só de rubro negros não sei se sabe, sou flamengo não tenho uma mina chamada Teresa, não dirijo e desisti do violão,  nesse conjunto vermelho e preto geral do velho Maracanã, kid morangueira Moreira da Silva, estava o dito no cujo, botei para tocar, abri uma cerva desceu pela guela revigorante, quase matou saudade dos gols do GABIGOL, lá pela faixa sete música título desse assunto, composição dele com Geraldo Pereira  e Ribeiro Cunha, ouvia tanto e assim como nos transformamos digamos não todos, felizmente alguns, em pessoas que se preocupam com o contexto do que lê faz ouve, olha só isso,
Na subida do morro me contaram
Que você bateu na minha nêga
Isso não é direito
Bater numa mulher
Que não é sua
Deixou a nêga quase nua
No meio da rua
A nêga quase que virou presunto
Eu não gostei daquele assunto
Hoje venho resolvido
Vou lhe mandar para a cidade
De pé junto
Vou lhe tornar em um defunto
se o cara tivesse dito que a mulher fez desaforo, ele mesmo bateria, ele pode fazer o que bem entender com ela? uma propriedade? o lance também é a cor da pele, já escutou esse som? vale dar uma escutada, vixe! fiquei de prosa contigo já passa do meio dia, a casa virou escritório por essas semanas, tenho que correr com o rango, se não apanho da patroa, conversamos amanhã,