Nessa vida de máquinas, concedemos o
espaço para quem primeiro necessita chegar. Nessa vida de máquinas, sentimos a
ausência do básico, para que a engrenagem possa funcionar. Nessa vida de
máquinas, levamos uma mochila que contém as coisas vitais para o dia, que
carregamos nas costas, se transformando em estorvo para quem precisa caminhar.
Nessa vida de máquinas, passamos com todo cuidado, para não tropeçarmos em seres
camuflados em notícias envelhecidas que se repetem a cada manhã. Nessa vida de
máquinas, ainda procuramos um alimento novo que não engorde, que deixe a pele
alva e o sexo novo. Nessa vida de máquinas, olhar nos olhos é ferir a carne
como se fosse o sol na íris do vampiro. Nessa vida de máquinas, o sangue não
pode ser vermelho, essa cor é de quem deve ser morto. Nessa vida de máquinas, um
verso no elevador cora a bochecha e faz surgir um sorriso no rosto da menina.
Nessa vida de máquinas, tem uma roseira que Aliete plantou e que não deixa de
brotar esperança. Nessa vida de máquinas, de mãos dadas ao pai, a pequena
percebe a junção das letras, o sentido de algumas palavras. Nessa vida de máquinas,
é um saco repetir quase sempre as mesmas coisas, vocabulário restrito de quem
não procura o impossível de voar. Nessa vida de máquinas, a página pulsa pela
derradeira palavra para que possa enfim descansar.
sexta-feira, 30 de outubro de 2015
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
uma pessoa
Quando necessito da crônica é a poesia
que pinta. Procuro adaptar os versos num enredo e, a linha para a pena e a
ideia não segue adiante. Queria ficar
só, nada além disso. Puxei o cachimbo, mesa na calçada, taberneiro trouxe
torresmo e uma Colorado. Harmonizar manhã/tarde de sábado. Essa coisa eterna de
estar sendo filmado, não gosto muito de citações mas, é inevitável não se
sentir dentro de um 1984. A tinta preta da caneta, o café na cerveja papel
branco. A íris sol, gente que passa presa na coleira do cachorro, poucos
passeiam com carrinho de criança, na para onde me exercito é a maior
cachorrada. Geraldo me traz água, coloca uma de rapadura no balde, conhece os
meus hábitos, me trata como filho, sabe que nunca tive um pai, enquanto o povo
que aprecia a sua feijoca não chega, sou cercado de mimos. Ele, aprecia os
líquidos que bebo, curte o aroma da fumaça, é um cidadão flor, exala odores de
paz, calejadas mãos, porradas desferidas, muito mais recebidas, a sina quase
sempre é assim, cai, levanta, correria para que o bicho não coma. Foi numa
noite ébria que o conheci, estava com alguns que não voltei a rever, ele chegou
na casa do poeta pra preparar o cordeiro. Você diz que não tem preconceito mas,
no fundo rola certa tendência de não curtir determinada coisa. Certo cochicho
entre os meus, fui, parti, por isso não voltei para o grupo. A criança, antes
de qualquer outro, correu para lhe dar um abraço. Algumas aplicações
equivocadas, desfiguraram um pouco o rosto, os peitos cresceram bem Fafá,
precisa importar os sutiãs, preparou o prato que saliva só em lembrar, batemos
longo papo, adotou Shirley como nome, o chamo de Gê, no fundo é travesti mais
lindo do planeta.
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
Serafim
Era quase uma
canção de ninar, a voz da moça entoando a história de Serafim, a cada palavra
rolava uma saudade, estávamos novamente numa época de esperança, a suavidade da
moça, o violão, dentro de uma noite onde nos reencontrávamos. As casas devem
ser abertas sempre, para que tenham história, nada mais chato do que retocar a
tinta de uma parede, sem a marca de algo que nos transporte pelo tempo, tá
certo que casas são templos mas, é necessário que sejam abertas para que não se
transformem em seitas fechadas em muros. Saíamos do silêncio para cantar o
refrão, breves minutos em que um querubim passa pela vida, olhos se fechavam
enquanto a musica caminhava, esse ato que precede o beijo, essa forma que
conduz para dentro da gente o momento do sono, onde encontramos força para a
lida, para terminar o texto no desassossego. Assim como chega, vai embora o
amor, alguns ficam juntinhos por quase uma eternidade, que deixam de confundir
pernas, para pegar bengalas erradas, riem da confusão mesmo assim, ainda
reclamam pela desorganização de um e de outro. Ao final de Serafim, as filhas
fitaram as faces, uma década separando cada uma, sorriram talvez sem entender,
com o passar dos dias pode ser que toquem no assunto, piano, piano, como de diz
em italiano, as cordas ecoaram o último verso, depois das respirações
profundas, o espaço foi ocupado por uma
crua felicidade, foi a forma com que aplaudimos a nossa capacidade de ir além.
O mar
Lua alta, redonda, céu sem limite se
encontrando com o mar, paisagem única. Ela sentia seu corpo quente. Ele era
certa solidão, pensamento distante. Se acharam por acaso passeando pela areia,
quando os olhares se encontraram ainda distantes, passava por dentro de cada um
aquele frio que busca conforto, risos pela coincidência, sem palavras seguraram
as mãos, algo por dentro era uma roda girando o desejo de que é preciso ir
além, lábios, línguas enlaçando, soltando para fora a vida presa, podia ser de
outra forma, o acaso é o que muitos chamam de coisa de Deus, abraçados procuravam desatar os nós, na
excitação, perceberam os espaço, entraram no transe, na paz, diante dos olhos
dos orixás, ficava para trás as brincadeiras infantis, pertenciam ao mesmo
lugar desde sempre, se amavam bem antes de terem desembarcado por aquelas
terras, era justo que os dois se desvirginassem, que o sangue, amor/dor fosse
lavado pelas ondas verdes que era razão de viver e morrer de todos. As mãos
ainda unidas, permaneceram estirados na praia, em instantes passaram a traçar
planos para o futuro, casamento, filhos, deixar a vila dos pescadores, tanta
coisa além dos limites do que nem podiam imaginar que existisse. Em meio a
conversa ela adormeceu. Pedro não conseguia, dentro de algumas horas seria o
desbravador do mar, na peleja para colocar em prática outra existência. Quando baixava a lua, sabia que era a hora de
partir, levou a pequena para a casinha dela, depois de um longo abraço, partiu
rumo ao seu destino. Era feliz como o vento que batia em seu rosto. Todos os
pescadores retornavam no mesmo horário, ela correu para a sua chegada, ficou
parada, tentando avistar o seu barco e nada, triste, abraçou a mãe, Firmino,
pescador experiente, tentou consola-la, dizendo que ele podia ter ficado numa
ilha para tentar uma pesca maior. A lógica de quem não retorna é quase sempre
história para o futuro, algo que se conta em meio aos tragos noite adentro, por
mais simples que possa parecer a vida naquele lugar é carregada de grande mística,
Tem hora que a gente pragueja contra os santos que amamos, depois a gente volta
atrás na esperança de que algo de bom aconteça, ela vivia esse dilema, acendeu
uma vela, se lembrou do pai que também partiu sem dizer adeus, sem sofrimento
de doença, a vela se apagou de forma repentina, ela reacendeu, chorou em
silêncio pelo sinal que recebia das esferas superiores. Numa manhã, todos
correram para o mar falando o nome de Pedro, ela sentia o coração bater firme,
queria beija-lo, tocar o seu corpo salgado, destruir a saudade, corria se
desprendendo da redoma do medo, teria trazido além de grande cardume, peixinhos
dourados e conchinhas coloridas para ela? seus pés descalços velozes, Chica,
sua mãe, pedia calma, ela chegou e deu com o corpo de Pedro ao lado das pedras,
mordido de peixe, no choque não passou lágrima pelo rosto moreno, apenas disse
baixinho, morreu, morreu.
Assinar:
Postagens (Atom)