sexta-feira, 31 de maio de 2013

Juizo final - 1

Nu, percorrendo pequeno espaço. Aquela casa. Na memória o mamilo na boca. O tempo se diluindo na fina areia da ampulheta, pode se inverter o objeto, mas é impossível recuperar o segundo que passou. Aquele negro lindo fazia tudo se transformar nesse limite do nada, quando de suas mãos arremessava a bola laranja, era o instante mágico, a viagem até o chuá, a linha tenue clara feito o sorriso da criança. Passava pela cabeça um dia sem nada. O vazio da existência era o furo por onde saia toda a sua devassidão. Estreito corpo de homem comum, cidadão acima de qualquer suspeita, um biltre, a pessoa que fez alterar o rumo de vidas, o cara que deixou para trás gente de todos os credos, ele que não tinha religião nenhuma, que sempre teve como pátria a nação dos expatriados. Era necessário ter morrido primeiro, a cada féretro a morte lenta no descer da madeira para o lixo da incompreensão. As cinzas tantas vezes atiradas ao mar, certa vez colocou os restos do irmão numa garrafa de cachaça e lançou pelas águas salgadas onde ele jamais velejou, o caminho até o infinito onde poderia encontrar os orixás, onde poderia ser feliz pelo menos uma vez, se é que existe felicidade em saber que as coisas que se ama ficam por aqui, se é que possível ter a exata medida de que algum canalha vai trepar com a pessoa com que se dormiu por anos, que se amou e ama mesmo confinado numa garrafa ou num retrato guardado dentro de um álbum no armário. Descalços pés, frio chão, cidade que não para nem mesmo quando se grita no meio da tarde. Antes de qualquer estado como este, ele já esteve entre as cabeças nem tanto privilegiadas mas, de grandes cabeças e enfiava até a o talo para que o vissem, hoje, no silêncio ele não consegue fugir de si mesmo, não era possível escapar do remédio para a pressão, nem para o ácido úrico tão pouco de nosso senhor de porra nenhuma. Pensava em todos e sorria com o canto da boca.  

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Domingo

Xis por cento dos assassinatos em São Paulo ocorrem por motivos fúteis, estava na capa do UOL ontem, é como se as pessoas matassem por um Danone, um benzinho tão raro tem o mesmo valor de um iogurte, mas morando em São Paulo você sabe como é? logo pela manhã já rola certo motivo para briga, quase todos os dias surgem cenas bem bizarras de incompreensão, algo que os homens da lei chamam de desinteligência. Não li a matéria do site, preciso confessar que não tenho paciência para números. Reunir gente diversa nestes dias atuais á fator de grande risco, não dá para controlar, acontece que nem por isso devemos evitar realizar o encontro entre as pessoas. Veja o que ocorre todo ultimo domingo de cada mês no campo do Mocidade lá na Vila Antonio no fim/começo do Rio Pequeno, você já foi até lá? Não? Convido você para ir mesmo sem saber o endereço, o campo fica atrás do Hospital e Maternidade Sarah, abro parênteses para falar deste canto da saúde pública, certa vez precisei ir até lá, prédio térreo, carcomido pelo tempo, enquanto esperava a poeira baixar, passeava pelo lado externo e, lá estava a placa GOVERNO DEMOCRÁTICO E POPULAR DE SÃO PALO, bateu saudade daquela nordestina baixinha e arretada, que detonou os alicerces conservadores desta terrinha cinza, fecho parênteses, eles promovem um samba com macarrão, a confusa mistura já é capaz de deixar qualquer apreciador do batuque curioso, antes do samba propriamente tocado, cantado, dito, tem um figura tocando coisas bem bacanas, que oscilam entre o clássico e o popularesco da musica brasileira, do soul, a cada suingue a turma chegando, garrafas ganhando ares, crianças correndo, mulheres sorrindo, um domingo sem parque, o cara que fica no bar é típico cara que atende o balcão, não esboça um sorriso, se você pede copo de vidro ele olha para a tua cara como se mãe tivesse sido ofendida, percebe que não teve nada disso e traz o copo, sem se quer dobrar o lábio, não quer carinho, o afago é aquela turba que se concentra diante de seus olhos, existem seres assim, que gostam de ver a casa cheia. Observando do lado de fora tanta felicidade algum vizinho deve pensar em trucidar um por um, acontece que diante da beleza que se sente, o que corre nas veias é apenas a certeza de que vida passa, que é apenas domingo, que ali o fantástico é que até samba ruim fica bom cantado pelas almas no MOCIDADE.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

A juventude do dragão

Outro dia caminhava pelas ruas do centro de São Paulo, estava em pleno trabalho mas, ao mesmo tempo batia perna como se fosse uma manhã de sábado, procurava alguma birosca com preço em conta para reproduzir o meu livro, por ali sempre se encontra coisas com preços diferenciados, por se tratar de uma publicação artesanal o custo não podia ultrapassar algumas cervejas de fim de semana. Enquanto caminhava me lembrava de quando dividia com o meu irmão as despesas da casa, entre todas as coisas mensais, separávamos algum para as biritas, cinema, livros e discos, claro que sem sempre cumpríamos a meta de adequar novas aquisições ao nosso orçamento sempre apertado, coisa que não mudou até hoje, pelo menos o meu não mudou muito. Perambulando por aquelas galerias fui mergulhando na velha nostalgia de quem escreve e bola certas aventuras do nada, fui compondo histórias dos cinemas desativados, o velho tênis deslizando pela Galeria do Rock que exigia certa atenção tempos atrás pela presença de “tribos” distintas, o lugar hoje é mais para inglês ver embora, ainda possa se encontrar trabalhos raros, até comprei um CD do Premiata Forneria Marconi nessa andança. A modernidade deixou tudo isso muito mais fácil, um amigo do meu sobrinho simplesmente disse certa vez a “tio vamos colocar todos esses seus CDs num arquivo e podemos escutar numa boa, você vai ganhar espaço”, olhei para ele e marquei um dia para bebermos um Jack e nos chafurdarmos em tal tarefa, depois que ele se foi aquela frase ficou na cabeça, puxa, quanto tem em cada um desses objetos de nossos piores e melhores dias? tudo simplesmente zipado, uma comida de avião. Esses moços, pobres moços nem trocam mais olhares com as moças, levam uma vida sem flerte, às vezes até mesmo com as próprias expectativas do hoje e amanhã.   Do flerte para a descoberta, procurar uma coisa e encontrar outra, achar no que não é legal algo positivo, esse lance do eterno aprendizado. Não achei nada que prestasse para a impressão do livro, parei num canto, rabisquei poemas num guardanapo, um chá gelado, depois a tradicional Serra Malte, Praça Dom José Gaspar, banca de jornal, um charuto vagabundo numa mesa colocada fora do bar, na banca cubanos com preços em conta que cabiam no orçamento dos tragos de fim de semana, solto dentro de uma caixa um livro de capa vermelha, o perfil de um gênio, é do acaso que se compõe isso aqui, dos passos para se achar, dos passos para tentar ser, por uma bagatela mais barata que a cerveja comprei a narrativa da juventude de Glauber Rocha, entre pombos, fumaças para incensar o espaço do velho arcebispo deslizei por 200 páginas como se fosse a talagada de uma bela cachaça. Se não encontrei naquele dia o que queria pelo menos conheci a hsitória de alguém tão obstinado quanto eu. 
A primavera do dragão – a juventude de Glauber Rocha (361 pags)
Nelson Motta
Editora Objetiva