quarta-feira, 15 de maio de 2013

A juventude do dragão

Outro dia caminhava pelas ruas do centro de São Paulo, estava em pleno trabalho mas, ao mesmo tempo batia perna como se fosse uma manhã de sábado, procurava alguma birosca com preço em conta para reproduzir o meu livro, por ali sempre se encontra coisas com preços diferenciados, por se tratar de uma publicação artesanal o custo não podia ultrapassar algumas cervejas de fim de semana. Enquanto caminhava me lembrava de quando dividia com o meu irmão as despesas da casa, entre todas as coisas mensais, separávamos algum para as biritas, cinema, livros e discos, claro que sem sempre cumpríamos a meta de adequar novas aquisições ao nosso orçamento sempre apertado, coisa que não mudou até hoje, pelo menos o meu não mudou muito. Perambulando por aquelas galerias fui mergulhando na velha nostalgia de quem escreve e bola certas aventuras do nada, fui compondo histórias dos cinemas desativados, o velho tênis deslizando pela Galeria do Rock que exigia certa atenção tempos atrás pela presença de “tribos” distintas, o lugar hoje é mais para inglês ver embora, ainda possa se encontrar trabalhos raros, até comprei um CD do Premiata Forneria Marconi nessa andança. A modernidade deixou tudo isso muito mais fácil, um amigo do meu sobrinho simplesmente disse certa vez a “tio vamos colocar todos esses seus CDs num arquivo e podemos escutar numa boa, você vai ganhar espaço”, olhei para ele e marquei um dia para bebermos um Jack e nos chafurdarmos em tal tarefa, depois que ele se foi aquela frase ficou na cabeça, puxa, quanto tem em cada um desses objetos de nossos piores e melhores dias? tudo simplesmente zipado, uma comida de avião. Esses moços, pobres moços nem trocam mais olhares com as moças, levam uma vida sem flerte, às vezes até mesmo com as próprias expectativas do hoje e amanhã.   Do flerte para a descoberta, procurar uma coisa e encontrar outra, achar no que não é legal algo positivo, esse lance do eterno aprendizado. Não achei nada que prestasse para a impressão do livro, parei num canto, rabisquei poemas num guardanapo, um chá gelado, depois a tradicional Serra Malte, Praça Dom José Gaspar, banca de jornal, um charuto vagabundo numa mesa colocada fora do bar, na banca cubanos com preços em conta que cabiam no orçamento dos tragos de fim de semana, solto dentro de uma caixa um livro de capa vermelha, o perfil de um gênio, é do acaso que se compõe isso aqui, dos passos para se achar, dos passos para tentar ser, por uma bagatela mais barata que a cerveja comprei a narrativa da juventude de Glauber Rocha, entre pombos, fumaças para incensar o espaço do velho arcebispo deslizei por 200 páginas como se fosse a talagada de uma bela cachaça. Se não encontrei naquele dia o que queria pelo menos conheci a hsitória de alguém tão obstinado quanto eu. 
A primavera do dragão – a juventude de Glauber Rocha (361 pags)
Nelson Motta
Editora Objetiva  

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