terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Do que somos feitos

A poesia jorra pelos poros cotidianos sem ser percebida, escorre pelo meio fio, se mistura com as flores varridas do Ipê, juntas vão para um saco, que acaba sendo furado pelo bicho homem, que não quer saber de flor tão pouco da fragrância das palavras, é atirada dentro de um caminhão, remexida, triturada, bom que seja imortal e termina por desembocar num aterro sanitário qualquer. Naquele local permanece ao relento entre dejetos humanos, sente a necessidade de ser presente, ela poderia alimentar algumas pessoas que se esgueiram por ali, não querem nada de fino biscoito, buscam a possibilidade do vil metal, apenas isso. Ressurge em forma de chuva, o povo se apressa em procurar abrigo, ela os acaricia enquanto correm, se mistura ao suor de cada um, nesse instante é feliz, adentra as ruas nobres, de classe média, das favelas, pipoca pelos varais, se intromete nas brincadeiras, assusta, refresca, e finalmente pode ser admirada, quando um raio de sol toca a umidade suspensa no ar e lá está ela, refletida pelo olhar de toda gente, em forma de arco íris no céu.

Fotografia: Alexandre Handfest