quarta-feira, 17 de agosto de 2016

vazio


Mais sozinho que de costume, nesse fim de manhã deslizo o meu olhar pela paisagem, uma televisão ligada sempre na mesma emissora, imagem sem áudio ainda bem, não dá para um bom café com papo furado via Embratel, a preguiça do domingo que se debruça sobre as pessoas, a censura da menina granola sobre a criança que se acaba numa fatia de salame na mesa ao lado, nada na cuca, tão bom, confesso que é difícil ficar assim, geralmente trago umas folhas, uma caneta para alguns versinhos, não tenho disciplina para a escrita, nunca tive, nesse  lugar as ideias pipocam, nem sempre ganham forma mas, dá para matar o tempo, assassino das horas fito o velhinho que sempre aparece para três pães e um litro de leite, sinto um certo efeito de amanhã nele embora, no ontem tenha feito isso quando ela ainda me suportava, um pão para cada e outro que ficava amanhecido, depois virava torrada, ganhava geleia, se cansou da rotina, nada deixou tão pouco bilhete, também depois de um tempo a gente nem quer saber, nem vira página, adquire tudo digital, uma vida instantânea puta Sonrisal, nem sei se tem mais isso, tédio sei que existe, para não me carregar de um total araã, invejo o cara que mora na calçada, vive de uns quadros que pinta ali mesmo, se alimenta do que a lanchonete oferece, aos domingos da padaria onde me encontro, comprei um trabalho dele outro dia, pode ter sido a última vez que tenha conversado de forma mis demorada com alguém, pinta com os dedos, não utiliza pincel, o povo comum passa por ele, nem percebe que ele está no caminho, alguns chutam a tinta que ele deixa na calçada enquanto medita uma face, os seus desenhos são carregados de rostos, sempre oferece uma pinga para seus semelhantes de relento, possui generosidade, tanta gente se cercando de coisas materiais e, esse individuo que nada tem reparte a pura inexistência, de que somos feitos afinal? A fila pela pelo frango assado, a torta de morango que já esteve pela hora do enterro e hoje está quase de graça, esfria o café, espio, desisto disso, pego uma Stella que não é Dalva, não se avista no céu, é amarga, porta sonhos, companheira da tarde de mais um dia, hora, mês, um fone no ouvido, um Miles, mais nada, essa gente não merece meu olhar que busca o vazio.