segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O cachorrinho riu para a moça mais linda da cidade - 15


Alguns dias, e nada mais, e Zelão fez a grande besteira de convidar o cunhado para me substituir, seria seu empregado, o irmão da mulher, algumas tragédias começam assim desse emaranhado familiar, é só estudar os Césares da velha Roma e você vai chegar nisso, dane-se, pensei, já não tinha mais nada a ver com aquilo, provavelmente nem voltaria a vê-los, era investimento do Bigode, coisa de anos, mas dane-se. Quarta-feira, feijoada, quinta-feira, macarrão com frango, sexta, peixe e, sábado, chegou, e Carla passou e passamos para o dia do adeus, tudo tão veloz, e ganhamos a estrada para encontrar Vânia.
- O que ela vai fazer lá fora?
- Estudar.
- Você não está me levando para conhecer uma burguesinha mimada, né?
- Claro que não, ela pode até ser uma burguesinha, mas mimada não é, pode acreditar.
- Tá certo, e a Carmela?
- Apareceu e confirmou o convite para eu ir morar com ela, coisa que nem me lembrava, decidi aceitar e daqui a uns quinze dias me despeço dessa cidade chumbo.
- A Carol comentou sobre o convite, ela e Carmela são amigas, Carol acha ótimo que Carmela se agarre num sujeito como você.
- Sujeito indefinido, não é mesmo?
- Oculto, meu caro, sujeito oculto.
Não demorou e chegamos. Risos vinham de dentro da casa e fomos ao encontro deles, antes, porém, Vânia nos achou e achei a pequena bela e brilhantes seus olhos, tivesse alguns tragos na cabeça e teria lhe tascado um beijo, mas ela trazia a tiracolo aquele papagaio de pirata de nome Gouveia que, portando uma grande felicidade tosca de corno dos infernos, nos encheu de elogios caminhando para a área externa onde a coisa toda estava rolando.
- As bebidas estão ali, tem umas coisinhas para beliscar na mesa ao lado, a banda de um amigo vai tocar daqui a pouco, bom que você veio, em duas horas serviremos o almoço. - disse ele, por fim, e foi puxar o saco de alguém.
- Acho que chegamos cedo.
- Fique tranquila, vamos beber alguma coisa?
- Quanta formalidade, cê não achou?
- Não vamos nos preocupar com isso, cerveja ou vinho? - Carla tinha razão, a coisa estava formal demais, faltava o velho Gutiérrez, formalidade de bichonas francesas, e a Vânia, porra, preocupada com o almoço? Realmente estava mudada, de qualquer forma ainda era cedo, havia um dia todo para que aquele bota fora se transformasse numa despedida de verdade.
- Vinho. - respondeu Carla.
- Meu filho, você sumiu, está mais gordo e bonito. - disse a mãe da Vânia, me achando num canto.
- Me perdi na grande cidade, a senhora acredita?
- A Vânia me disse que te encontrou e o quanto a sua vida tinha mudado e os estudos e o livro. E essa formosa dama?
- Os projetos foram ficando de lado, descobri que nós, pobres, não podemos fazer muitos planos, brigamos no almoço pela janta e assim o livro está parado, de vez em quando escrevo qualquer coisa. E essa formosa dama se chama Carla.
- Muito prazer.
- O prazer é todo meu.
- A nossa vida também vai mudar, no meio da semana ela vai para Paris com o Gouveia e eu e o Caco ficaremos aqui. - Caco, isso lá é nome de macho, pensei.
- Também vou embora, recebi uma proposta de trabalho para morar no interior, acho que lá conseguirei terminar o livro.
- Vocês estão namorando? - perguntou para Carla.
- Não, somos apenas bons amigos.
A velhota foi abraçar uma senhora que acabara de chegar e nos abandonou. Foi bom estar ao lado da Carla durante aquele dia, afinal, conversamos sobre uma infinidade de coisas, para ela filosofia é o dia a dia e foi com este comentário que Arthur e Adriana se aproximaram de nós.
- Desculpe, me chamo Adriana e este é o Arthur, tudo bem? - Carla e eu soltamos um oi e ela prosseguiu:
- Ontem assistimos a um filme que vai bem nessa linha do que vocês estão falando, filosofia cotidiana, poesia no caminhar.
- Qual é o nome do filme? - interrompeu Carla.
 - O sacrifício, do Tarkovski. Na verdade, não esperávamos grande coisa além de um programa cabeça, aquele tipo de filme que nos leva a filosofar tolices, mas é uma obra-prima, pode acreditar.
- Tolice. - resmungou um cara ao lado sem se apresentar.
- Como? - disse Carla.
 - Como vocês podem falar dessas coisas diante de uma eleição onde um grande canalha acaba de ser eleito?
- E daí? - replicou outro fulano ao lado e seguiu dizendo:
 - O fato de terem eleito um canalha não nos torna diferentes, não pertencemos ao todo? Que porra de democracia é essa?
- Pertencemos ao todo sim, mas não somos tolos e se elegeram um canalha não quer dizer que a gente tenha que se tornar medíocre como aqueles que votaram nele, somos diferentes, grande parte da população não tem a menor paciência de assistir a um filme como O sacrifício, só assistem novelas e acreditam em tudo que a televisão diz, acho que temos que nivelar por cima. - falou Adriana e eu fiquei viajando, pensando que aquilo tudo não passava de trufas e trufôs, quanta baboseira, papos de balaios fumados.
- A filosofia abarca tudo e a poesia desse momento inunda minha vida inteira.
- Deixa de ser brega, Arthur! - disse Adriana demonstrando certa contrariedade com o rumo que a discussão tinha tomado, ela estava disposta a falar de filosofia, queria tornar didático aquele tema tão impregnado de medo ou incompreensão, puxou da bolsa um balaio e acendeu, os dois fulanos se aproximaram comentando que, agora sim, a discussão iria acender. Puxou fundo a bagaça, estendeu para Arthur que recusou. Carla nem se ligou no ambiente e tragou forte, o cheiro foi tomando conta do espaço, os dois fulanos se fartaram numa divisão desigual, sobrou uma ponta que veio parar em minhas mãos, puxei o que sobrou e mastiguei o resto, todos se espantaram e seguimos para a mesa de salgados, em silêncio, aquilo sim é que era filosofia no caminhar.
- O de sempre, forasteiro?
- Tudo bem, Cubano? Pode ser aquela de sempre.
- A moça canta que é uma beleza, tem uma mesa mais perto do palco.
- Valeu, mas vou ficar por aqui, tô querendo sossego.
- Tá certo. Eu falei com a Regina da Gazeta sobre o teu livro e ela quer falar com você, marcou para sexta às sete, aqui, tudo bem?
- Que bela surpresa, sem problema. - tem um bom tempo que ele me prometeu pôr em contato com essa figura, parece que ela precisa de alguém para escrever crônica no jornal e o Cubano comentou a meu respeito e ela se interessou, se pintar vai ser bem bacana.
Carla curtiu o sábado do bota fora, pegou endereço e telefone deles para uma festa no futuro, tipo de coisa que raramente acontece, eram pessoas com as quais não voltaríamos e não voltamos a ter contato, como gente de fila de banco. Antes da partida, Adriana acendeu outro balaio, os caras dividiram de forma desigual, Arthur aceitou, Carla recusou, eu fumei numa boa e a sobra desta vez atirei dentro do copo do Gouveia.
Vânia estava sentada na rede, quando me aproximei devagar, colocando sobre o seu colo uma flor roubada da decoração da mesa.
- Então, acabou, vai viajar com aquele pança de mamute? - disse para ela.
- Não tem ninguém aqui que você conheceu no sarau, gente estranha essa com a qual vivo, queria beber, me divertir e não apareceu nenhum daqueles filhos da puta, nem do partido, nem da faculdade e essa banda que o Gouveia arrumou, que grande lixo, só falta tocar Ray Conniff, pega aquela garrafa de vinho ali e vamos beber. - atendi o seu pedido, mas roubei duas garrafas que estavam pela metade.
- Não se chateie com esses imbecis, os caras do partido devem estar juntando, entre tapas, os motivos da derrota, a turma da faculdade deve estar numa tremenda fossa também, é preciso dar tempo ao tempo, você não tá indo embora, covarde talvez seja você, cadê a resistência? - ela dispensou a taça e começou a beber o vinho na própria garrafa.
- Cala essa boca, você não sabe de nada, você não passa de um pobre coitado, você não tem a mínima ideia do que é a política, só pelo fato de estar aqui entre nós não quer dizer que você pertença a este lugar, você só leu algumas páginas e isso não quer dizer nada, você não vale nada, sabia?
- Por isso que vocês não ganharam a eleição, para vocês o povo não pensa e não pode compartilhar do mesmo ambiente que vocês, hipócritas é o que vocês são, foda não é não ser nada, foda é se imaginar ser alguma coisa e ter que sair fora para não conviver com a derrota, quer saber? Vai se foder! - num trago mandei goela abaixo aquele tinto horroroso.
- Pensei em te ensinar um monte de coisas, ainda bem que você sumiu, só agora posso perceber o quanto você é tosco e limitado, fico imaginando o lixo que deve estar escrevendo, que vocabulário você tem para escrever um romance? Você não tem capacidade para isso. - de repente, abriu seu coração derrotado e só, bebeu em silêncio o seu vinho, também bebi o meu, olhei para Carla conversando com Adriana, Rufino e Nelson sentados numa cadeira de balanço, as pessoas todas ali distantes dela, os seus semelhantes ressentidos.
- Pelo menos a comida estava boa, a bebida meia boca, mas deu para o gasto, seja feliz. – levantei e, tranqüilo, fui ao encontro de Carla, não tinha alimentado nenhuma ilusão sobre a minha condição no mundo ou naquele ambiente, senti o quanto foi bom não ter tido ambição ao longo da vida, nada de gerar grandes expectativas, talvez as únicas expectativas que tive diziam respeito a ter ido à sua casa e também ao tal bota fora.
- Vamos, isso aqui já deu o que tinha que dar. - Carla e eu beijamos Adriana que esperava Arthur beber a enésima dose de tequila e saímos tontos de bebida e fumaça. A noite surgia silenciosa acompanhada por um último raio de sol que se colocava lá no fundão do cenário. Ridículo e estúpido, mas me sentia livre, sem rancor, algumas economias no banco, eu era um corpo sem grandes ilusões voltando para casa.  
- Aconteceu alguma coisa?
- Não, Carla, não aconteceu nada, acho que ela vai ser feliz na França. - Carla acendeu um cigarro, colocou qualquer coisa para tocar e ganhamos a estrada.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O cachorrinho riu para a moça mais linda da cidade - 14

No domingo decidi ir ver como estava a velha casa que eu tinha posto à venda, o telefone da imobiliária só chamava fazia um tempão. Quando cheguei ao lugar, para a minha grande surpresa, uma família estava morando lá, perguntei de onde eram e as chaves e, porra, fiquei puto com tudo aquilo, bando de aproveitadores, calhordas.
- Estamos morando aqui faz tempo e já ganhamos a ação de usucapião, o senhor quem é?
- Eu sou o dono desta espelunca e que treco é esse de usucapião?
- Nós ocupamos o lugar, fizemos melhorias e o Juiz nos entregou a propriedade.
- Tinha uma caixa com documentos e fotografias, vocês guardaram isso pelo menos?
 - Claro, sabemos o que é preservar a memória.
Entrei na casa e, realmente, eles tinham feito grandes mudanças no local, meu quarto já não existia, muito menos o de minha mãe, a casa estava mais agradável, chão polido, paredes pintadas, a mulher, que se chamava Dita, pediu para que eu me sentasse e foi buscar a velha caixa.
Em minha memória aquela caixa era enorme, parecia tão pesada, mas ela me entregou sem grande esforço, abri o pequeno baú para tocar o meu passado, os documentos de minha mãe, os meus, as fotografias, parcas imagens que contavam a minha história, puxa vida, como eu fui relaxado com coisas tão importantes, como a minha falta de ambição tinha me levado a perder a casa de minha mãe e, por pouco, não perco as raras imagens do passado. Dita estava preparando o almoço, o aroma de sua comida era um convite generoso para um domingo no antigo lar, almocei com ela e seus filhos, rimos de coisas banais enquanto falava de minha infância naquela casa, depois peguei a minha caixa e fui embora. Ela perguntou o que eu iria fazer, respondi que não tinha a menor ideia e que ela ficasse tranquila.
O bairro não era mais o mesmo, as vendas onde comprávamos arroz, óleo, leite, café, pão tinham deixado de existir, os vizinhos se mudaram e suas casas estavam muradas com grades sobre o concreto ou cacos de vidro, o velho campinho virou posto de saúde e a praça, terminal de ônibus. O mês estava indo embora e com ele minha vida ganharia novo ritmo, nada de pessimismo, uma coisa de cada vez, foi o que pensei atravessando o busão, quando me sentei no final do veículo, me despedi daquela paisagem e percebi que ao menos o abacateiro estava no lugar.
Segundo dia da semana, Carmela finalmente apareceu, pediu uma cerveja para o Zelão, enquanto, ocupado, recebia a conta do velho Gariba, fui até o balcão e perguntei:
 - E, então, tudo bem?
- Vim saber se você ainda pretende ir comigo? - seus pais tinham uma pensão numa cidade do interior, os dois estavam mortos e o caseiro que cuidava do lugar estava doente e iria voltar para o sul, pelo menos disso me lembrava.
- Não ganho um beijo, não mereço perdão? - me deu um beijo e me senti melhor.
- Quando você vai pra lá?
- Na segunda quinzena do mês que vem.
- E aí, Zelão, dá para contratar alguém até lá?
- Com certeza.
- Vamos passear pelo centro, comer alguma coisa?
- Não foi o que combinamos? - o que falei ou combinei com Carmela não me lembrava, não me lembro até hoje e sinto uma tremenda vergonha de perguntar. A noite estava fresca e, então, saímos como dois namorados, éramos dois namorados e que sensação boa segurar a mão dela enquanto caminhávamos.
- Estamos namorando ou algo do tipo ou você quer namorar comigo? - perguntei.
- Faz um tempão que não sei o que é namorar, às vezes me pergunto o que é o amor.
- O que é o amor? Aqueles casais que vivem juntos por toda a vida sabem o que é o amor?
- Talvez o grande barato esteja em não ter razão de ser. - disse ela por fim e caminhamos alguns metros em silêncio. Propus uma carne, ela queria comer peixe, então decidimos comer no Caranguejo que ficava na Sete de Abril.
- Como eram seus pais?
- Um pouco fechados, quase não se falavam. Meu pai era calado e minha mãe solta, alegre, desvairada, adorava dançar e foi ela que me despachou para estudar aqui em São Paulo, se dependesse de meu pai teria ficado com eles, talvez até tivesse morrido com eles, depois da morte dele, ela se calou, entrou em uma grande depressão e acabou morrendo, e os seus?
- Não conheci o meu pai, pelo menos não me lembro dele e a minha mãe morreu faz um bom tempo. Outro dia fui ver como estava a minha antiga casa onde moramos e lá resgatei parte de minha história, qualquer dia eu te mostro. - chegamos ao Caranguejo e por ali ficamos até umas dez da noite, descemos para a Bandeira, onde ela pegaria o ônibus para casa. Enquanto esperávamos o coletivo, ela me deu um grande beijo e a zona sul ficou para depois, bem depois, no dia seguinte, entramos num hotelzinho e finalmente senti o amor como todo indivíduo deveria sentir, verdadeiro, sem frescura, totalmente louco, desvairado, sem pudores.
Pela manhã me acordou sorrindo, “onde será o nosso café da manhã?” - perguntou. Sete horas e qualquer coisa da manhã e levei-a para o desjejum na Padaria Palma de Ouro. Essa coisa de se estar bem demora até a chateação chegar e, depois de alimentados, ela me veio com tremendo papo furado, coisa de gente besta preocupada com formalidades e aparências.
- Não vamos juntos, tá certo? Quero preparar o seu espaço por lá, uns quinze dias depois você chega, quero evitar comentários, todos sabem que não sou casada e é como se meus pais estivessem ainda morando na pensão, não me sinto bem, entende?
- Não compreendo, mas respeito, com quantos homens você já foi para lá?
- Porra, você não entende, quero manter por algum tempo as aparências.
- As aparências de que não está tendo um caso com o caseiro, já estava achando felicidade demais, vou pagar a conta, se não o Zelão me mata, hoje é dia de feijoada.
Não podia reclamar, afinal não queria ser funcionário do Zelão, a casa que pensava ser minha estava ocupada por outra pessoa, dos males o menor, manter certa distância e terminar a merda do livro, era isso que precisava fazer quando estivesse morando na pensão. Descemos em silêncio para a Bandeira, mas, aos poucos, voltamos a conversar, ela me falou o quanto era pequena a cidade e que seus clientes eram estudantes e trabalhadores de uma fábrica da cidade ao lado e que todos os finais de semana seriam sempre nossos.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O cachorrinho riu para a moça mais linda da cidade - 13

Segunda, virado à paulista, a banana estava sendo empanada. Oito horas da manhã, sozinho numa cama estranha. Zelão, sozinho, ainda se equilibrando entre os afazeres da cozinha e atender o salão. Minha memória em cacos só trazia o instante do beijo, roupas pelo chão.  Apressado, e um tanto assustado, vesti meus trapos e resolvi ganhar o mundo, senti cheiro de café, segui o aroma e encontrei Carmela na cozinha.
- Já acordou?
- Tô atrasado, o Zelão deve estar fulo comigo.
- Ontem você disse que passaríamos o dia juntos, disse coisas tão lindas, não se lembra de nada, nem dos amassos na cama?
- Claro que sim, só não me lembrava de ter dito isso, tenho que ajudar o cara, saca? - Era óbvio que não me lembrava de nada, ela provavelmente sabia disso, mas resolveu ficar numa boa, de qualquer forma precisava sair dali, acabei metendo os pés pelas mãos quando lhe pedi uma caneta para marcar o meu endereço, ela me esticou um papel onde já estava escrito não só o endereço da lanchonete como o do meu cafofo.
- Você vai passar por lá essa semana? - perguntei.
- Sim, como combinamos ou disso você também não se recorda?
- Claro que sim. - mostrou-me de onde saía o coletivo e fui embora, aquele não era o melhor jeito de se começar uma relação, mas fazer o quê? Meu cheiro era puro bode, o sabor do café amenizava o gosto na boca, o ônibus sacolejou por ruas de terra até chegar numa avenida asfaltada, adormeci e só fui acordar quando o trocador me cutucou: “Praça da Bandeira”.
Zelão não disse nada quando cheguei, não era o meu chefe e nem seria. Ás vezes olhava para a rua pensando em Carmela, tentando me lembrar do que tinha rolado na noite anterior. Enquanto almoçávamos, Zelão e eu nos acertamos, dividiríamos o lucro do mês, ele contrataria alguém para trabalhar em meu lugar e eu estaria livre para ganhar o mundo. Não via problema, a minha cabeça já estava pra fora daquele lugar, o restante do corpo aos poucos iria se acostumar com isso.
Você precisa cumprir certas etapas na vida, é o que parece estar estampado por todos os cantos desta coisa azul chamada Terra. Chego ao bar dos estudantes, o lugar está cheio, não tem espaço nem mesmo no balcão, daqui a pouco o Cubano me descobre e vem me servir. Uma moça canta uma música de Vandré, não quero escutar nenhuma canção, quero apenas o silêncio, vou me distanciando de sua voz, meu olhar encontra um cara fazendo uma criança dormir, passeia com ela de um lado para o outro como se estivesse dentro de sua casa, acolhe o pequeno ser em seus braços, sentindo o futuro adormecer lentamente, adormecida a figura, ele a deposita no carrinho e relaxa levantando as mãos para o alto.
- Deve ser estafante, não?
- O problema da criança é que deixamos de namorar, sair por aí sem responsabilidade nenhuma, nos tornamos prisioneiros de seu mundinho, mas é bem divertido.
- Deve ser.
- Na verdade é mesmo, pode acreditar, sempre que ela canta esta canção ele dorme.
- A tua mulher é a cantora da noite?
- Sim.
- Tem uma bela voz, mas de quem que é essa canção?
- João Nogueira e Paulo César Pinheiro.
- Não conhecia, quer beber alguma coisa?
- Valeu, mas já bebi umas três cachaças.
- Tá certo.
- Você não tem filhos?
- Não tenho e provavelmente jamais terei, a minha companheira acha que não tem
mais idade para isso.
- E você?
- Meu velho, eu vivo cada dia sem grandes planos, ambições, expectativas.
- É melhor assim, desse jeito a gente não quebra a cara, vou dar uma força ali com o pandeiro, já volto.
- Fique à vontade. - uma família de músicos e a criança fica tranqüila, dormindo em seu carrinho.
Carmela não apareceu durante a semana, já sabia que isso iria acontecer, como fui estúpido em me esquecer do que fizemos e do que tinha dito para ela. Carla pintou no sábado sem Carol, ficamos de bobeira e convidei-a para ir comigo na despedida da Vânia, acho que ela não sabia dizer não e emendou:
- Tá certo, eu vou, sei onde fica a cidade, não tem erro. Escuta, e a Carmela?
- Sei lá, bebi mais do que o normal e me esqueci de tudo o que rolou, acho que ela não gosta de gente com amnésia alcoólica.
- Pode ser. - ela respondeu, depois beijou meu rosto e foi embora.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O cachorrinho riu para a moça mais linda da cidade - 12

- E aí, tá pronto para um giro até a periferia?
- Claro, e vocês como estão, passaram bem a semana? - Tudo bem, tudo bom, responderam, estava azul o dia, abri o jornal de domingo para ler o meu horóscopo e o delas, pedi para que parássemos numa padaria para eu beber uma xícara de café, o horóscopo nada prometia de novo, o café em compensação estava ótimo.
Aos domingos o trânsito é melhor e, em pouco tempo, chegamos à casa do amigo da Carla, numa rua calma e pacata com cheiro de cidade do interior. Teobaldo era um mulato sorridente que morava com esposa e filho numa casa aconchegante com um quintal imenso, onde criava galinhas e cultivava uma horta, o filho tinha saído para buscar a namorada e a esposa de Teobaldo, Dona Analis, preparava o molho num fogão a lenha.
- Não era você que ia preparar a bóia? - disse Carla.
- Quando tem visita ela nem me deixa entrar na cozinha. Tudo bem com vocês? E esse sujeito desconfiado, quem é?
- Teobaldo, este é o Dilermando.
- Como vai meu rapaz?
- Eu vou bem e o senhor?
- Senhor tá no céu, mas estou bem, mi casa tu casa.
- Obrigado. - respondi ajudando as meninas a retirar as coisas do carro.
- Analis, os meninos chegaram. - berrou Teobaldo e sua esposa saiu para nos abraçar e reclamar que havíamos levado muita bebida para um domingo; ela tinha olhos verdes tão lindos que era impossível não ficar olhando para eles, era de uma doçura sem fim, puxa, naquele dia fui feliz, só agora, enquanto caminho, sinto isso.
O filho de Teobaldo chegou trazendo a namorada e uma amiga dela chamada Carmela, uma cabocla linda que, de pronto, me deixou apaixonado, tudo bem, tudo bom, beijinho e que coisa linda, enquanto me perdia por ela. Carla pegou Carol pela mão e foram andar.
 - Como se amam essas duas. - falou Teobaldo.
Dançava com aquele comentário a expectativa de sexo a três, mais algumas pessoas chegaram e o almoço foi servido e era como se fôssemos todos da mesma família. Após o almoço, alguém colocou música no ambiente, a bebida gelada era misturada com alguns tragos de um rum que o Teobaldo guardava para alguns eventos, grupinhos se formaram como sempre acontece em festas, transitei por todos eles até parar onde estava Carmela e por ali fiquei conversando com ela, “faz tempo que conhece as meninas?” - perguntou e eu expliquei que fazia pouco tempo e coisa e tal, ela tranquila, linda, conversamos durante um bom tempo, aquela com certeza cabia no meu orçamento.
A noite caiu rápida e fria. Para nos aquecer, Teobaldo acendeu uma fogueira, éramos todos brasa e Carmela decidiu dançar ao redor do fogo, me enchendo de encantamento, umbigo de fora, saia indiana, completamente chapada, era a fúria e a folia, pena eu ser tão bunda mole, eu dançaria com ela, mas o fogo sempre me assustou e ela me botava cheio de medo. Deixei o medo de lado com uma dose de rum e fui para a dança e dancei como jamais na vida, a dança ébria, a dança da alegria de Baco e todos aplaudiram quando puxei Carmela para uma coisa mais colada, ela não hesitou, sentia os seus seios contra mim, estava sem sutiã e a língua tocou a língua e a vida girou faceira na tontura etílica daquela noite.
- Vamos? - disse Carla
- Fica mais um pouco. - retrucou Carmela.
- É tarde. - comentou Carol.
- Podem ir que me viro. - acabei decretando o meu destino e Carmela sorriu e Analis também e a festa continuou.