segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O cachorrinho riu para a moça mais linda da cidade - 13

Segunda, virado à paulista, a banana estava sendo empanada. Oito horas da manhã, sozinho numa cama estranha. Zelão, sozinho, ainda se equilibrando entre os afazeres da cozinha e atender o salão. Minha memória em cacos só trazia o instante do beijo, roupas pelo chão.  Apressado, e um tanto assustado, vesti meus trapos e resolvi ganhar o mundo, senti cheiro de café, segui o aroma e encontrei Carmela na cozinha.
- Já acordou?
- Tô atrasado, o Zelão deve estar fulo comigo.
- Ontem você disse que passaríamos o dia juntos, disse coisas tão lindas, não se lembra de nada, nem dos amassos na cama?
- Claro que sim, só não me lembrava de ter dito isso, tenho que ajudar o cara, saca? - Era óbvio que não me lembrava de nada, ela provavelmente sabia disso, mas resolveu ficar numa boa, de qualquer forma precisava sair dali, acabei metendo os pés pelas mãos quando lhe pedi uma caneta para marcar o meu endereço, ela me esticou um papel onde já estava escrito não só o endereço da lanchonete como o do meu cafofo.
- Você vai passar por lá essa semana? - perguntei.
- Sim, como combinamos ou disso você também não se recorda?
- Claro que sim. - mostrou-me de onde saía o coletivo e fui embora, aquele não era o melhor jeito de se começar uma relação, mas fazer o quê? Meu cheiro era puro bode, o sabor do café amenizava o gosto na boca, o ônibus sacolejou por ruas de terra até chegar numa avenida asfaltada, adormeci e só fui acordar quando o trocador me cutucou: “Praça da Bandeira”.
Zelão não disse nada quando cheguei, não era o meu chefe e nem seria. Ás vezes olhava para a rua pensando em Carmela, tentando me lembrar do que tinha rolado na noite anterior. Enquanto almoçávamos, Zelão e eu nos acertamos, dividiríamos o lucro do mês, ele contrataria alguém para trabalhar em meu lugar e eu estaria livre para ganhar o mundo. Não via problema, a minha cabeça já estava pra fora daquele lugar, o restante do corpo aos poucos iria se acostumar com isso.
Você precisa cumprir certas etapas na vida, é o que parece estar estampado por todos os cantos desta coisa azul chamada Terra. Chego ao bar dos estudantes, o lugar está cheio, não tem espaço nem mesmo no balcão, daqui a pouco o Cubano me descobre e vem me servir. Uma moça canta uma música de Vandré, não quero escutar nenhuma canção, quero apenas o silêncio, vou me distanciando de sua voz, meu olhar encontra um cara fazendo uma criança dormir, passeia com ela de um lado para o outro como se estivesse dentro de sua casa, acolhe o pequeno ser em seus braços, sentindo o futuro adormecer lentamente, adormecida a figura, ele a deposita no carrinho e relaxa levantando as mãos para o alto.
- Deve ser estafante, não?
- O problema da criança é que deixamos de namorar, sair por aí sem responsabilidade nenhuma, nos tornamos prisioneiros de seu mundinho, mas é bem divertido.
- Deve ser.
- Na verdade é mesmo, pode acreditar, sempre que ela canta esta canção ele dorme.
- A tua mulher é a cantora da noite?
- Sim.
- Tem uma bela voz, mas de quem que é essa canção?
- João Nogueira e Paulo César Pinheiro.
- Não conhecia, quer beber alguma coisa?
- Valeu, mas já bebi umas três cachaças.
- Tá certo.
- Você não tem filhos?
- Não tenho e provavelmente jamais terei, a minha companheira acha que não tem
mais idade para isso.
- E você?
- Meu velho, eu vivo cada dia sem grandes planos, ambições, expectativas.
- É melhor assim, desse jeito a gente não quebra a cara, vou dar uma força ali com o pandeiro, já volto.
- Fique à vontade. - uma família de músicos e a criança fica tranqüila, dormindo em seu carrinho.
Carmela não apareceu durante a semana, já sabia que isso iria acontecer, como fui estúpido em me esquecer do que fizemos e do que tinha dito para ela. Carla pintou no sábado sem Carol, ficamos de bobeira e convidei-a para ir comigo na despedida da Vânia, acho que ela não sabia dizer não e emendou:
- Tá certo, eu vou, sei onde fica a cidade, não tem erro. Escuta, e a Carmela?
- Sei lá, bebi mais do que o normal e me esqueci de tudo o que rolou, acho que ela não gosta de gente com amnésia alcoólica.
- Pode ser. - ela respondeu, depois beijou meu rosto e foi embora.

Um comentário:

  1. O que faz a cachaça com o indivíduo! No capítulo anterior vai pra cama com uma deusa, no dia seguinte esqueceu?!? Afe!
    Mas a narrativa está boa, fluente.

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