segunda-feira, 20 de junho de 2011

O cachorrinho riu para a moça mais linda da cidade - 5

Numa noite fui jantar no Bigode e, enquanto esperava o bom bife acebolado, ele me apareceu perguntando se eu não estava disposto a trabalhar com ele durante as férias de alguns de seus funcionários pelos próximos seis meses; achei boa a proposta, afinal, teria todas as refeições na faixa e ganharia uma grana para cobrir o aluguel e comprar a  máquina de escrever para dar uma ripa no meu grande romance. Alguns dias depois, iniciei as minhas atividades atrás do balcão para constatar que divã mesmo é o velho balcão, por ali passa todo tipo de pessoa e há uma diferença brutal entre frequentar um bar e trabalhar nele; na verdade, não trabalhei num bar, mas numa lanchonete, de qualquer forma, a coisa é a mesma. Chegava por volta das seis da manhã para abrir o lugar junto com o Bigode e, sempre na porta, dois ou três sujeitos nos esperavam para a primeira cerveja do dia. Minha função era preparar o café, fritar os salgadinhos e atender o balcão e as mesas até as nove horas, quando chegavam mais três funcionários que aguentavam o tranco até o Bigode fechar as portas.
A coisa era bem legal para quem precisava de personagens sortidos para compor uma história, embora, por alguns dias, tenha deixado de lado o meu romance para tirar um cochilo depois daquele lavoro extenuante ao qual, aos poucos, fui me adaptando sem grandes dificuldades, uma vez que era só decorar os nomes dos pratos do dia, que se repetiam como os dias da semana se repetem, exceto domingo, quando prato nenhum era preparado por ser o dia do descanso; as bebidas possuíam cada uma um nome e um apelido, os habitués do lugar as mesmas manias, assim, em pouco tempo, me transformei num puta atendente. Entre onze da manhã e três das tarde, o bicho pegava para a hora do almoço e era aquela loucura em que não dava tempo nem para beber um copo com água ou ir ao banheiro. Não demorou e o Bigode me pagou pelo primeiro mês de bico, com isso fui até uma loja na Santa Efigênia e comprei minha máquina de escrever, optei por uma usada, de cor preta, tipo de redação de jornal, boa máquina que me acompanha até hoje. Comecei a redigir tudo que havia escrito sem alterar nada e, em pouco tempo, já estava escrevendo coisas novas adaptando as pessoas que frequentavam o Bigode como personagens, dando caráter e expressões diferentes para cada um, era divertido tudo aquilo mesmo sem saber ainda como adequá-los dentro da história, era como criar um jogo qualquer. 
Algumas coisas doidas aconteciam lá no Bigode e uma dessas coisas acabou rolando quando uma greve dos motoristas do transporte público assolou a cidade; naquele dia, apenas o Zelão, o Bigode e eu demos conta do recado, embora o movimento não tivesse sido grande coisa, ao fim do dia estávamos só o pó da rabiola como diria o outro. Por volta das sete da noite daquele dia, o Bigode foi ao mercado com o Zelão e eu fiquei limpando o piso, quando um sujeito entrou e se sentou numa banqueta diante do balcão, “ tá fechado chefe”, eu disse.
- Só preciso de uma cerveja, nada mais, ele disse colocando sobre o balcão o chapéu Panamá.
- Na próxima quadra tem outro bar aberto.
- Enquanto você passa o seu rodo bebo uma e salto fora.
- Acontece que acho difícil alguém manter-se apenas numa primeira.
- Não tenho motivo para beber mais do que uma garrafa.
- Tá certo, meu velho, vou confiar em você, Brahma ou Antarctica?
- Não tem Skol?
- Não.
- Brahma.
Abri a garrafa, dei-lhe um copo e fui terminar o meu trabalho, não demorou e eu já havia terminado.
- E então? - perguntei.
- Beba um trago comigo, assim termino mais rápido.
- Hoje o dia foi realmente cheio e até cabe uma cerva.
- Acabo de chegar de uma cerimônia fúnebre, foi uma experiência bem estranha, principalmente quando me coloquei ao lado do caixão, todos começaram a perceber a semelhança entre o velho carcomido pelo tempo e eu, cochichos começaram a pipocar por todos os lados, sim eu era o filho daquele homem morto, estava diante dele apenas para constatar que não se levantaria jamais, não estava ali por afeição ou por ódio, só queria verificar se foi bem empregado o dinheiro que dei para a minha tia. Interrompeu o que dizia para dar um belo trago.
- Puxa, que coisa mais maluca.
- Pois é, o desgraçado me abandonou ainda criança e eu paguei o seu enterro, diante daquelas pessoas a minha boca estava seca, tive vontade de dar-lhe um beijo, afinal, ele era o meu pai, calado, envolvido numa caixa de madeira, em pouco tempo apodreceria debaixo da terra, já o tinha como um grande verme para não dizer outra coisa, viva a podridão! - gritou aos prantos.
- Vamos beber outra, esta por conta da casa. Bebemos a segunda e ele foi embora, ainda tropeçou com o Bigode e o Zelão ao sair, acabei colocando essa história no meu romance.

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