segunda-feira, 18 de julho de 2011

O cachorrinho riu para a moça mais linda da cidade - 9

A confissão da meretriz, dias atrás, de que o tempo passara rapidamente, o adeus de Vânia, a morte do poeta e o Bigode? Por onde andava aquele espanhol? Precisava falar com o seu contador, só o Arnaldo podia me dizer algo sobre o dono daquele lugar que estava sob os meus cuidados. E a mulher do cara? E meu romance, caramba, que estava largado debaixo da velha máquina de escrever? Tinha que terminar aquilo, nada podia fazer às três da manhã, portanto, entrei no Cabine, bebi um café, até pensei em comer aquela puta, mas fui para casa sentindo o frio da madrugada cortar a minha cara.
Na tarde seguinte, fui até o Arnaldo que tinha um escritório lá no Treme Treme, era um lugar pequeno com quatro assistentes mulheres, duas bem apanhadas, uma velhota de uns sessenta anos, a quarta sem possibilidade de qualquer comentário a seu respeito, me recebeu como sempre, cortês e, como sempre, dentro de um terno meio alaranjado.
- Salve, meu velho, que bons ventos o trazem?
- Salve, desculpe se vou direto ao assunto, tenho que passar pelo mercado quando sair daqui, por onde anda o Bigode?
Respirou fundo, puxou um cigarro, me ofereceu um café, acendeu o cigarro, olhou para bunda da velhota que estava em cima de uma escadinha colocando algumas pastas na prateleira, coçou a velha barba de rufião por fazer. Voltei a interpelá-lo:
- Porra, dá para você parar com esses puta cacoetes e me responder?
- Bem, ando cheio de trabalho e, por isso, não passei pela Luar do Sertão, acontece que o Bigode não vai voltar da Espanha, está enrolado com uma dona e as coisas que herdou da família são suficientes para ele viver; pediu para eu agilizar a papelada para a separação e, entre outras coisas, conversar com você sobre passar o ponto da lanchonete, o desejo dele é que você comprasse aquela espelunca. Olhei para a cara do Arnaldo, pensei no Zelão, olhei para a cara do Arnaldo, pensei em tantas coisas sem nexo que não valem a pena dizer e, por fim, disse:
- Eu não tenho a menor vontade de ser dono de lá, acho que o Zelão, sim, faça uma proposta para o Bigode, que eu falo com o Zelão. Arnaldo concordou e, antes de sair, perguntei:
- E a dona Matilde, como reagiu?
- Além do bigode, o teu chegado viajou com um tremendo par de chifres para a terra natal.
Em pouco tempo, estaria desempregado novamente. Passei pelo banco e, após alguns minutos na fila, descobri que meu saldo era suficiente para puxar o carro de São Paulo e ficar de bobeira, escrevendo o meu velho romance. Voltei para a lanchonete e contei a coisa toda para o Zelão, que se encheu de entusiasmo, nem sabia a proposta do Bigode, mas precisava falar com a mulher, guardou o avental na gaveta e foi embora. 
Era uma tarde cinza e fria no velho centrão, caía uma garoa incessante capaz de fazer as pessoas se colocarem na entrada da lanchonete para esperar que ela passasse, o lugar estava vazio naquela tarde de quinta-feira. A bucólica paisagem me inspirou a colocar na vitrola um disco de Maysa para servir de trilha sonora para aquela cena, também para marcar a despedida que se avizinhava. As pessoas que esperavam diante da porta olhavam para o vazio lá dentro, enquanto o canto passava por elas e ganhava as ruas, naquele instante eu era o velho dono da mercearia de minha infância, onde costumávamos roubar balas de goma, sozinho, atirado diante de ne me quite pas repetido uma, duas, três vezes, sentia a vida correr entre os ponteiros do relógio e como corria a vida sem ternura, sem afago, sem colo de mãe para fazer um dengo qualquer.
Ela desistiu de esperar que a fina garoa se dissipasse e entrou, sentando-se ao lado da janela, mesa 7, portava alguns papéis dentro de uma agenda, bolsa e um livro sobre literatura beat. Do bolso do casaco retirou o seu maço de Minister, uma caixa de fósforos, acendeu o cigarro soltando a fumaça sem se preocupar com nada. Pediu um chocolate pequeno e um pão de queijo, enquanto eu colocava sobre a mesa o cinzeiro. A pedida perfeita para o clima, mas em seu lugar eu substituiria o chocolate por um café com conhaque. Ficou por ali lendo seu livro, sem se tocar que a noite já se fazia presente, quando deu por si olhou para o relógio, pediu a conta e antes de pagar perguntou se servíamos feijoada aos sábados, “a melhor da cidade”, respondi, recebendo de presente um largo sorriso. Foi embora, assim como chegou, sem fazer alarde após algumas páginas, dois chocolates e um pão de queijo, deixou sobre a mesa, juntamente com a despesa, um pequeno recado escrito num guardanapo: AMO MAYSA, QUALQUER DIA EU VOLTO, BEIJO, não assinou o bilhete, mas era o tipo de mulher que podia me fazer feliz.

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