sexta-feira, 27 de maio de 2011

O cachorrinho riu para a moça mais linda da cidade - 1

Quando ela escuta o tec, tec, vem fazer toc, toc na minha porta, é a senha para que meus dedos deixem de guiar meus pensamentos. Recolho algumas folhas, puxo a minha velha pena, desço as escadas e ganho a rua. A pensão à noite pertence aos corpos em descanso, diante do jornal televisivo, e não ao escritor desempregado batendo firme numa máquina de escrever. Saio pra manter o refúgio onde escoro este corpo terminal. Faltam algumas coisas para desenrolar o romance que escrevo, sempre falta alguma coisa, e de noite aparece um novo personagem que dois ou três capítulos depois é morto sem piedade. Ser deus criando um mundo novo que vai se empilhando folha por folha, um deus sem chão suficiente para pisar.
Noite agradável para bebericar qualquer coisa, deveria voltar e agradecê-la por me tirar daquele quarto para ver este céu azul com uma lua enorme, dando boa noite ao casal de namorados que se beija no banco da praça, até que seria legal voltar para convidá-la para uma dança depois de alguns tragos, não retrocedo até ela, pois sei muito bem que dirá um não e este não me deixará irritado demais e é por isso que sigo sozinho para o bar. O velho bar nada mais é do que um pardieiro e o único lugar que me traz certa saudade da cidade grande, aquele tipo de estabelecimento que, para se chegar ao banheiro, passa-se por um corredor de caixas com vasilhames vazios e, à medida que você vai se aproximando, começa a sentir aquele cheiro denunciando o estado da latrina, estranha essa condição de sentir nostalgia de determinado lugar através de aromas agradáveis ou não, é igualmente estranho adequar-se a uma situação de aparente inércia e as pessoas que ali encontro não falam entre si com muita frequência, às vezes comentam qualquer coisa escrita no jornal, são pessoas sem a menor expectativa de que algo mude.
Chego ao lugar dando um boa noite aos distintos clientes, vestidos com roupas rotas como a minha, compro um cigarrinho solto da marca Y, um copo de vinho da casa e rabisco coisas na maior paz, de vez em quando tento a sorte num caça níquel constatando que o jogo não é meu forte e o amor cada vez mais minguado, sorte no jogo azar no amor, que grande balela. Dez da noite, Guzula baixa a porta, avisa dez minutos antes que irá fechar e, às dez, pimba, está fechando, coloca o jornal debaixo do braço e vai para casa; é um sujeito solitário, não teve filhos e a mulher fugiu com o mecânico sem deixar ao menos um bilhete, abre o bar todos os dias, exceto aos domingos quando vai ao campinho assistir os jogos do time da cidade, não é um cara muito falante, nem todo corno é dado a falar pelos cotovelos, quando ele fecha as suas portas eu é que fico sem consolo e na dúvida entre voltar para a pensão ou caminhar pelas ruas estreitas da pequena cidade até o bar dos estudantes, que é o único lugar aberto para se tomar umas biritas até mais tarde,  decido ir ao bar dos estudantes e, enquanto caminho, vou te contar como cheguei a este lugar.

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